Histórias Inspiradas: Mulheres que sobreviveram ao holocausto ucraniano e à Segunda Guerra Mundial

O livro Por um Fio é um relato sobre a relação de mãe e filha
Jornada de Eudokia e Alla Czerkasij é relatada em detalhes em livro que toda mulher deveria ler

A humanidade presenciou profundas atrocidades no período entre 1930 e 1945. Edokia Czerkasii, também chamada de Dusia, tinha cerca de 16 anos quando a Ucrânia vivenciou o genocídio do Holodomor, que vitimou mais de 7 milhões de ucranianos devido à fome. Anos mais tarde, ela demonstrou novamente ser uma mulher forte e obstinada ao sobreviver com a filha ainda criança aos perigos de um campo de trabalho forçado na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.

Os detalhes dessa história de mulheres que inspiram é contada também por autoras inspiradas. O livro Por um Fio é um relato sobre a relação de mãe (Dusia) e filha (Alla) escrito pela própria filha (Alla) e neta (Natalie). São 192 páginas que mostram o desafio de mulheres reais que viveram – e fizeram – história. Um livro escrito por mulheres, sobre mulheres e não é exagero concluir que trata-se também de um livro que toda mulher deveria ler.

Oráculo feminino

Era início de verão quando Gregory, vô da autora, estava conferindo o progresso da plantação no interior da Ucrânia quando viu uma mulher belíssima, vestida com a Somme Kaserne, roupa tradicional de uma mulher ucraniana. “A Ucrânia sofrerá muito” foram as palavras da mulher, que desapareceu.

O oráculo se concretizaria em alguns anos, já que o avanço do governo de Stalin na Ucrânia resultou no que hoje é chamado de holocausto ucraniano, ou simplesmente Holodomor (expressão que em ucraniano significa “matar pela fome”). A Ucrânia que na época era conhecida pelo potencial agrícola, teve as fazendas e plantações confiscadas e a produção de alimentos deveria atingir metas rígidas de envio de comida para a Rússia para, só então, distribuir comida entre os ucranianos. O ato de colher alimentos e levar para casa para consumo próprio era considerado crime.

Muitos sobreviviam apenas com o mínimo diário, em porções racionadas obtidas junto ao governo comunista. Outros, nem isso tinham e contavam com apenas com o bom coração de compatriotas que aceitavam dividir o pouco de comida que ainda tinham ou se arriscavam a colher alimentos de forma clandestina – mesmo que na própria fazenda. Apesar das dificuldades para comer, Dusia venceu desafios, formou-se em Química e casou-se com Nikolai, que viria a ser o pai de Alla, autora do livro.

Desafio da maternidade

No entanto, as dificuldades relacionadas à alimentação não se restringiram ao período do Holodomor (1932-1933). Após um parto sem assistência e que lhe causou muita dor, Dusia tinha dificuldades para alimentar a filha Alla.

“Como não havia comida própria para bebês, as jovens mães mastigavam o alimento, o cuspiam em uma colher e serviam ao bebê. Quando o bebê estava sonolento, recebia uma chupeta feita em casa: comida mastigada da boca da mãe colocada em um pequeno pedaço de gaze quadrada amarrado com um barbante, formando uma bolinha para o bebê sugar.”

Essa chupeta bem diferente das utilizadas atualmente é apenas um exemplo das condições desafiadoras para a criação de filhos naquela época. Não à toa, as taxas de mortalidades infantis eram altas e a expectativa de vida baixa. Para se ter uma ideia, a expectativa de vida para os nascidos em 1933, pior ano da crise humanitária na Ucrânia, era de apenas 10 anos para mulheres e sete anos para homens.*

Além da fome e de doenças, ainda havia a ameaça constante de conflitos armados. Isso porquê na década de 1930, a Ucrânia foi ocupada tanto por soviéticos como por alemães. A região em que Dusia e Alla viviam trocou de comando por diversas vezes e uma das consequências foi a desconfiança generalizada que tomou conta da comunidade. Não se podia confiar na vizinhança e, em alguns casos, nem mesmo no próprio cônjuge (os detalhes são explicados no livro).

Liberdade Religiosa

A obra também aborda aspectos relacionadas à liberdade de crença. Junto com os desafios para sobreviver, Alla narra também como a percepção dela sobre espiritualidade e relacionamento com Deus foi sendo transformada. Quando criança, ela foi batizada secretamente pois o vilarejo em que ela morava estava sob o domínio soviético, que naquela época era contrário à qualquer manifestação religiosa. Apesar de achar a motivação baseada em questões culturais e até mesmo folclóricas, Alla admirou o ato corajoso dos pais.

Conforme crescia, a percepção de Alla sobre religiosidade foi desenvolvida, à despeito do contexto de restrições à liberdade de crença religiosa. O relato apresenta nuances que demonstram como a experiência religiosa de Alla aos poucos deixou de ser apenas cerimonial/ritualística e passou a reverberar em experiências do cotidiano.

Após brigar com uma prima e receber um castigo da mãe, Alla relata o seguinte:

“Embora o castigo não tenha curado meu mau comportamento, vergonha e remorso encheram o meu coração. Não havia justificativa para meus atos. A única coisa que me afetou foi a capacidade de Alexa de amar e me perdoar, mesmo depois de tê-la machucado tanto. Hoje isso me lembra de Jesus e de seu amor por nós. Creio que vi um vislumbre dele no rosto e na postura dela. Nunca me esquecerei desse dia.”

O terror da guerra e a benção do livramento

As habilidade dos pais de Alla, principalmente a capacidade da mãe de falar alemão, proporcionaram que a família migrasse para a Alemanha. O que inicialmente poderia até parecer uma oportunidade de estabilidade, tendo em vista o contexto imprevisível que a disputa entre alemães e soviéticos provacava na Ucrânia, logo revelou-se motivo de lamentação: a família fora aprisionada em um campo de trabalho forçado no interior da Alemanha. Conforme o avançar da Segunda Guerra Mundial, até mesmo as folgas semanais – ocasião em que a família podia visitar parques, por exemplo – foram restringidas.

No período em que viveu na Alemanha, Alla perdeu o pai, Nikolai, presenciou cenas de covardia humana e violência masLivro Por um Fio da Casa Publicadora Brasileira também teve experiências de muito valor sentimental. Lá, ela reencontrou amigos de infância e também teve os primeiros contatos com Wesley, ucraniano que viria a ser seu marido em 1960 (sim, o livro não termina com o fim da Segunda Guerra Mundial!). O detalhe que, apesar de frequentarem os mesmos ambientes na Alemanha, eles só iriam se conhecer nos Estados Unidos.

Porém, a experiência mais marcante no período que viveu na Alemanha foi a sequência de acontecimentos que culminou na libertação de Alla e sua mãe do campo de trabalho forçado e do terror da guerra.

“Minhas emoções estavam tão entorpecidas que eu só conseguia pensar no incômodo que eram aqueles corpos, impedindo o progresso para chegarmos até nossos libertadores. Entretanto, logo uma alegria e felicidade indescritíveis encheram meu coração. Estávamos livres! Não éramos mais prisioneiros! Imagino que é exatamente isso que sentiremos quando Jesus voltar à Terra e nos levar para o lar celestial”.

Conclusão

A obra Por um Fio tece uma narrativa pessoal que apresenta a vitalidade de nobres mulheres que sobreviveram a um contexto de opressão cultural, político e religiosa. A perspectiva subjetiva de uma mulher exposta no livro pode ser uma valiosa fonte auxiliar para entender não somente os conflitos geopolíticos da Ucrânia entre as décadas de 1930 e 1940, como também para compreender aspectos importantes do relacionamento da humanidade com Deus.

*Para ter um pouco mais a compreensão da crise humanitária que assolou a Ucrânia na década de 1930, leia o artigo The grate famine: population losses in Ukraine, disponível em: <https://dse.org.ua/arhcive/12/1.pdf>. Acesso em 28 de fevereiro de 2022.

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